enquanto trovejava com inocentes pratos, portas e paredes, lembrei que ainda carrego montes e montes de palavras. a vida ás vezes inventa de acontecer e aí eu perco o momento de falar sobre as coisas. não que exista um momento destino, mas acredito na abundância e na pluralidade do tempo. prefiro ficar quieta, registrar com os olhos, ouvidos. silêncio é um privilégio que ainda aprecio.
não vivo só dessa quietude, muito pelo contrário, preciso de todo o barulho do mundo pra sobreviver ao caos, que é bem silencioso do meu corpo mundo. verdade que essa anarquia escapa sorrateira da boca, é quando sei que preciso escrever.
digo pra mim mesma que guardar palavra e sentimento é bom, mas até certo ponto. sabendo que o silêncio pode me poupar de amargura futura, também sei que pode causar acúmulo de mágoa, ferrugem e desgaste. do que me adianta saber que ainda sinto essas dores? se deixar passar por essas e outras é uma porra, mas não há muito o que fazer. não que eu já não tenha errado, errado de novo, aprendido e voltado a errar. foi preciso cair e quebrar os ossos, pra perceber que vou continuar errando. em meio aos cacos partidos, talvez um dia eu mude.
não gosto muito de mudanças, mas sou ótima em me acostumar. passei tempos com um calo na sola do pé direito que nunca sarava 一 também nunca fui atrás de uma cura 一, seis meses depois... sumiu. já tinha me habituado com a ideia de tê-lo ali, inconveniente, me causando sofrimento. lido com as coisas assim, prestando atenção, incomodada, mas não lidando, esperando, até que elas decidam por conta própria desaparecer.
a verdade é que nada em mim desaparece. assim como a palavra guardada, se não é lapidada com cuidado, se torna outra coisa, me atormenta, apodrece, morre, corroendo. o calo sumiu, mas ainda sinto a sombra de um edema. falo das coisas que consigo cobrir com um sapato, uma blusa de mangas longas, uma risada, um silêncio.
"saia desse lugar!", digo pra mim mesma. permaneço imóvel. me embrenho no passado das coisas, em busca do que já foi bom. onde não era esse atual tormento que não cura, nem sara, tampouco é alentado. me agarro num passado que já foi pregado na parede, que é diferente desse presente cruel e percebo estar num martírio eterno. aguardo até que desapareça, afinal, nada que eu conheça durou pra sempre. tudo se perdeu em descuido e esquecimento. é um desamor atrás do outro.
tudo e nada não são sinônimos mas insisto em vivê-las como se fossem.
já ouvi dizer que, se eu falasse com a boca sobre palavras e sentimentos que um dia já me foram sinônimo de dor, sem derramar lágrima alguma dos olhos, haveria uma cicatriz no lugar. ás vezes não precisa de muito tempo de cura quando o corte é na superfície. sobre machucados mais profundos, daqueles que ultrapassam todos as camadas da carne, não tenho controle algum, mas um dia vai dar bom. acreditar na complexidade do tempo em uma fé descabida, ás vezes funciona, ocasionalmente pode ser o suficiente pra curar. vai dar bom.