agora sou abismo. vazia, profunda, delirante.
agora sou paciente. mentirosa, transparente, estampo medo nas retinas.
agora sou escritora. me preocupo com cada palavra que digito. a ordem, as repetições, a intensidade. um final, um meio, um começo.
agora sou gaiata. brindo felicidade, risada é alimento, movimento.
agora sou peso. jogo sonhos pela janela, despenco do parapeito dela, não há um fundo.
me perco em minhas personagens. não sei quem sou. talvez todas elas. acredito: nenhuma é igual. encaro as moléculas flutuantes de cada e não me vejo nelas. são minhas? quem sou? quem deveria ser? se existir for carregar essa mala pesada com formas de ser, não quero. arrastar uma bagagem que destrói cerâmicas de realidade com seu peso de mentira é ridículo.
qual será a próxima persona que irei tomar como minha? quem é a verdadeira eu? existe uma verdadeira? de qual eu gosto mais? qual as pessoas veem?
às vezes estou bem e escrevo. se passam dias e volto ao meu estado esquisito de espírito que rasteja pela terra arranhando os joelhos e já não assumo o sentimento feliz pelo qual dediquei palavras. devo joga-las fora? não as reconheço. não foi eu quem disse. foram elas. elas me sufocam. elas me sufocam.
ás vezes estou mal e escrevo. se passam dias e volto ao meu estado esquecido de vida. as palavras não parecem vir de mim, afinal estou completamente vazia. de onde elas vêm?
temo o que sentará à minha frente. me encarar, ouvir meus porquês idiotas. tenho medo do que direi, será que vou inventar? mentir? não é o meu propósito, mas ás palavras me fogem e não sei me explicar.
prazer.