1° dia de terapia, Ian Curtis e um final feliz


é contraditório que o título carregue "Ian Curtis" e "final feliz" na mesma frase, mas dosando um pouco os sentidos, significa que esse texto é um pouco sobre cada coisa. juro que a minha intenção vai ter lógica no final. inclusive pra entender o motivo dessas duas sentenças não combinarem.  
ontem tive a minha primeira sessão de psicoterapia. tinha passado antes por uma triagem, pra saberem se eu realmente me encaixava, já que o serviço é gratuito. fiquei um pouco constrangida em ter chorado durante a triagem e não ontem. a pergunta "por que está aqui?" foi feita nas duas vezes. é possível considerar que é uma pergunta difícil. bom, eu considero.

agora tenho uma vaga ideia á respeito dos motivos de alguns de meus comportamentos e isso não me deixou tranquila, mas o ponto é justamente esse. conhecer, entender, melhorar. superar coisas, amenizar outras, controla-las. é um processo dolorido, pra ser sincera, mas tô me esforçando em ser otimista. preciso ter calma também, foi a primeira vez. 

resolvi falar sobre isso por causa de algumas leituras que fiz recentemente e sim, cá estou eu, depois de uma longa temporada apenas relendo livros, voltando a ler coisas novas. sentimento de alívio e felicidade! alguns trechos conversaram comigo e a vontade de falar surgiu novamente.   

a última leitura que terminei foi Unknown Pleasures: Inside Joy Division, biografia escrita pelo Peter Hook, ex-baixista da banda Joy Division. ele fala um pouco sobre sua infância, trajetória, momentos importantes na história da banda e etc. isso tudo foi interessante pra mim, pois gosto de ler coisas autobiográficas. no entanto, o que mais interessa a esse texto que escrevo é o vocalista. Ian Curtis. ele era pai, casado, diagnosticado com epilepsia e só tinha 23 anos quando tirou a própria vida.

ninguém conhecia ele de verdade. essa foi a impressão que ficou em mim. nem os pais, nem a esposa, nem os amigos, muito menos a amante. acho que isso é bem comum porque mesmo quando a gente acha que conhece as pessoas, bem, talvez, se deva cogitar não ter tanto conhecimento assim. não falo simploriamente sobre cores ou comidas favoritas, mas falo das coisas que nem a gente entende em nós mesmos.

talvez eu esteja falando sobre o bottom que eu deixei cair na sala da terapia e ter dito: "depois eu pego" em voz alta, mas em mente tendo a certeza de que ia esquecer, pois estava nervosa demais. é uma comparação idiota, mas é só pra ilustrar o fato de que a gente sabe e finge não saber das coisas e vice-versa. inclusive, realmente esqueci ele lá. 

o que realmente quero dizer é que nem sempre sabemos quem somos verdadeiramente e do que somos capazes. quem dirá outras pessoas.

achei engraçado (senão trágico) os próprios membros da banda não prestarem atenção nas letras que o Ian escrevia, o quão carregadas de dor e sensibilidade elas são. ninguém percebeu? caramba. estamos falando de Manchester, na Inglaterra, nos anos 80, o diálogo sobre saúde mental era escasso ou inexistente? tem uma outra autobiografia que foi escrita pela ex-esposa do Ian e eu tenho certeza que vão ser outras verdades, já que ela deve ter sofrido bastante. dá pra entender. ainda assim, ao meu ver, restaram apenas as letras das músicas como vislumbre da alma inquieta que ele tinha. 

mesmo sabendo do final que o livro me traria, foi impossível não me emocionar. talvez devido as palavras do Hooky dedicados aos sentimentos de culpa, do que poderia ter sido, das escolhas que fizeram. com os meus olhos de hoje é óbvio pra mim perceber que o Ian não escondia tão bem assim. afinal, eram muitos desmaios e ataques (por causa da epilepsia) durante as apresentações. tentativas de suicídio anteriores. foram muitas as deixas. e Peter admite que eram muitas. pra mim não faz sentido "seguir em frente" diante dessas circunstâncias, foi irresponsável e negligente, mas quem sou eu pra culpar quem. é aquela coisa, por muito tempo a promoção da saúde mental foi deixada em terceiro, quarto plano. hoje, felizmente, se fala bastante sobre isso. 

agradeço por não ter nascido em uma década diferente, na verdade queria ter nascido ainda mais no futuro, na esperança de sempre ser melhor (muita ilusão? haha). 

calhou da minha leitura seguinte ser Trainspotting do Irvine Welsh. aquele que tem o filme cult lá, famosíssimo. então, os dois são bem parecidos, já que a base é a mesma. é um retrato sincerão da cena urbana de baixa renda de Edimburgo, na Escócia, nos anos 80. no caso do livro (e do filme), a gente acompanha jovens ansiosos e viciados em heróina pelas ruas londrinas e escocesas. é possível perceber um sentimento aparentemente muito presente nessa época: o de um futuro sem perspectiva. a descrença nas instituições, na família, no trabalho de sucesso, na vida perfeita.  marca de uma geração. o punk rock teve seus frutos dessas raízes. 

apesar dos vários nomes que surgem protagonizando o livro, o Marc Renton, acredito, seja um dos mais importantes. ele é um dos únicos que tá tentando largar o vício. tem um capítulo em que o próprio fala sobre conversas que teve com uma série de profissionais de saúde que tentaram reabilitação (antes dele realmente querer), ao invés de ser preso. um pensamento particularmente me chamou atenção:

"A sociedade inventa uma intricada lógica falsa pra absorver e mudar as pessoas que têm um comportamento fora do normal. Suponhamos que eu conheça todos os prós e contras, que saiba que terei uma vida curta, que tenha uma cabeça no lugar etc. etc., mas que ainda assim queira usar heroína. Eles não vão deixar. Não vão deixar porque isso é visto como um sinal de seu próprio fracasso. O fato de você simplesmente escolher rejeitar o que eles oferecem. Nos escolha. Escolha a vida. Escolha pagamentos de hipoteca. Escolha máquinas de lavar. Escolha carros. Escolha ficar sentado num sofá assistindo a programas de auditório que atrofiam a mente e esmagam o espírito, enfiando uma merda de junk food goela abaixo. (...) Escolha a vida. Bem, eu escolho não escolher a vida. Se os *** não conseguem lidar com isso, a *** do problema é deles." 

— Trainspotting (1993) - Irvine Welsh
  
enquanto como uma goiaba verde, bem verde, penso que apesar de todas essas coisas soarem convincentes, talvez atuais demais, e entendo o porquê de parecerem, ainda assim escolho a vida. não vou falar pelo Ian Curtis ou pelo fictício Marc Renton, pois não sinto seus sentimentos, não vivi suas vidas. ter dito que apesar de ser difícil vou tentar superar pois preciso me sentir bem como nunca me senti antes é, até então, uma promessa que eu fiz. já que tenho pressa. já que tenho informação. já que tenho exemplos de vida vivida. já que conheço outras formas de observar o mundo. já que tenho condição. 

a vida é meio na base de tentativa e erro, não dá pra prever nada e acho que a gente não tem culpa de muita coisa, tá tudo bem.

chego ao fim desse texto que parece fragmentado, mas que consegue, de uma forma muito particular, ter sentido pra mim. o final feliz é curto e simbólico, já que ontem, ao chegar da sessão, recebi a carta perdida da Arantxa com data de junho! a gente já tá em setembro. caramba. achei incrível, pois por um momento acreditei que a cartinha tivesse dado xauzinho pra mim e se lançado à sorte dos ventos do Rio Sena, na França. fiquei muito feliz e pensativa. acho que algumas coisas caminham a passos de tartaruga, mas acontecem no tempo que precisam acontecer. 


4 comentários:

arantxa disse...

a. a. aaa. aaaaa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

arantxa disse...

ok, agora que minha emoção me permite falar: MEU DEUS!!! juro que eu já tinha até passado pelos estágios do luto pela carta extraviada (cartas extraviadas estão na lista de coisas que me deixam mais chateada), mas fico muito feliz sabendo que ela chegou. e espero que você não tenha me achado doida!!! risos nervosos!!!!!!!

coincidentemente, eu li algumas correspondências da clarice lispector pras irmãs, e ler essas coletâneas de cartas sempre me deixa muito reflexiva e querendo escrever cartas de muitas páginas. é só muito bom... refletir. e é muito bom ler outras pessoas escrevendo tudo o que veio à cabeça, também. sei lá.

fico feliz que você tenha conseguido começar com a terapia!! é um processo, mesmo, e a evolução vem a passos lentos, mas vem. sigo segurando a sua mão, e te entendo no lance de ficar com vergonha de chorar. eu detesto chorar, porque minha voz simplesmente não sai, mas às vezes o melhor que a gente pode fazer é chorar, mesmo, e colocar a emoção pra fora. eu gosto de pensar que pelo menos estou chorando na presença de alguém que quer e pode me ajudar.

o livro do peter hook me pareceu bem... intenso e triste. ian curtis é uma daquelas pessoas que me deixam pensando que a vida pode ser muito sofrida, apesar de eu não ouvir tanto joy division. e tenho curiosidade com trainspotting! eu vi o filme há muito e muitos anos, mas nunca li. me parece mesmo uma dessas leituras que deixam a gente pensando sobre o SISTEMA!!!! no geral, e a gente acaba um pouco desgraçada da cabeça, mas de um jeito bom. é importante pensar sobre os ideais que colocaram na nossa cabeça — todo o lance do sonho americano, etc etc.

eu adoro goiabas verdes!!! quanto mais azedinha a fruta, melhor. você gosta de carambola? ai, que saudade de comer uma carambola bem verdinha.

vou pegar sua promessa pra mim, também. “preciso me sentir bem como nunca me senti antes” é uma ótima frase pra manter na cabeça.

beijos empolgados,
arantxa <3

nicole e. martins disse...

aaaaaaaaaaa

nicole e. martins disse...

obrigada, obrigada, obrigada. <3

ps.: eu amo carambola, mas não como a muito tempo!!!!!! amo frutas!!!!