Foi pra um trabalho da faculdade que me vi totalmente fora do meu contexto. Com medo, voz baixa e de confiança escondida em algum lugar do bolso da calça. Entrevistei pessoas pela primeira vez.
Já sabia de cor das minhas inseguranças e limitações, sempre as tornei barreira para realizar de tarefas simples a sonhos ansiosos. A minha zona de conforto sempre foi ficar quietinha observando.
Primeiro, fui covarde e pedi que minha amiga fizesse as perguntas, porque queria aprender, queria fazer igual. E na nossa segunda entrevista, que na verdade era a minha primeiríssima de todas, fui com gaguejo e todo o resto. Desde mãos tremendo a dor de barriga por tensão traumática. Pois, sim, foi um trauma. Foi uma péssima entrevista, e não culpo o entrevistado, mas a minha negligência pela prática. Nunca vou esquecer essa entrevista.
Foi inevitável não ser bombardeada com o sentimento de culpa. Eu tenho lugar pra morar, tenho cama pra dormir, tem comida todo dia na minha casa. Quer dizer, isso é básico, mas me parece luxo, agora. Claro, sei da minha história, nem sempre estive nesse contexto estável, nem sempre tive casa própria, nem sempre fui de condomínio. Já morei em muitos lugares aqui na minha própria cidade. E isso não justifica nada. Afinal, por que? Por que eu tenho casa e você, não? Eu nasci sortuda?
Agora, pensem comigo, todo essa carga emocional e inexperiência atingindo de uma só vez. Com aviso prévio, garanto. A gente sabia o que viria, mas é tão difícil na prática, sabe? Tão difícil.
Lembro de ter conversado com a minha professora sobre esse rebuliço. "Esse sentimento passa com o tempo? Foi inexperiência? A gente aprender a lidar ou a conviver?"
Ela me disse que não precisa andar muito, bem em frente a sua casa, quando sai pra pegar ônibus, fica destruída com a cena que vê. Todas as vezes. Ela é jornalista há um bom tempo.
"Então, tá tudo bem chorar à noite antes de dormir?"
Sim, tá tudo bem. Mas talvez, estejam colocando peso demais, ela diz. Afinal, não é sobre romantizar, avisa, mas as pessoas se acostumam com a vida que levam e a vivem normalmente, como uma rotina, um dia a dia. Tem sofrimento, dureza, mas tem felicidade, delicadezas, matizes.
Até parece que estamos nos aproveitando, mas midiatizar a situação dessas pessoas já trouxe coisas incríveis também. O jornalismo também consegue fazer isso. Fazer mudanças. Mudar vidas. Ou não, e tá tudo bem. Afinal, não somos heróis, somos contadores de histórias. Histórias de vida de outras pessoas.
Depois de quatro anos fugindo de entrevistas, me ocupando em outras funções nos trabalhos da faculdade, me arrisco no último suspiro antes do TCC. Penso que perdi oportunidades incríveis durante o curso, mas também sigo na certeza de que não estava pronta. De alguma forma acredito que o universo me destinava a encontrar as pessoas com quem conversei.
Não posso falar sobre, por enquanto, mas deixo aqui seus nomes que ficarão gravados em mim.
Dona Rosa. Rosineide. Maria José. Douglas. José. Lucas. Marivoneide. Joilson.
Ps.: recomendo seguir a minha prof. maravilhosa em todas as redes. o twitter: @fabi2moraes
4 comentários:
Esse relato me encheu de determinação, suas palavras me emocionaram a cada linha que você escreveu. Percebo claramente que a cada entrevista foi um choque de realidade diferente, mostrando cada vez mais a realidade que a gente vive. Se me permite, você é ótima em escrever Nicole, você é muito boa no que faz.
Fico muito feliz que tenha te tocado de alguma forma, Cassinho. A intenção era essa reflexão mesmo! Ainda não sou tão boa assim, mas muito obrigada aaaa <3
consigo sentir exatamente quase tudo que descreveu, também tenho essa angustia e me privo de tantas coisas por timidez e vergonha e tudo isso que crio e só existe pra mim. mas que bom que no final conseguiu entrevistar várias pessoas e espero que isso de alguma forma influencie para melhora. onde eu moro acho que tem um morador de rua, mas tem pessoas carentes e tudo isso que eu quase nem vejo e quando aparece me da um aperto no peito. mas isso tudo é culpa de como todo o sistema funciona. tu cursa jornalismo mesmo? parece ser um curso ótimo e muito necessário para evidenciar esses problemas.
dói tanto ver o que a gente perde por causa dessas coisas que a gente sente, né? espero que de alguma forma isso melhore pra você também!! eu entendo, afinal, eles fazem parte da nossa rotina, sabe? sei que o sistema é cruel, mas quando a gente se permite quebrar essa barreira da teoria e ver tudo aquilo na prática, na vivência, é tão diferente. a gente trata tudo com tanta distância e esquece que ali existem pessoas que tem sonhos, medos, vontades, como eu e tu. ás vezes, as pessoas só querem ser ouvidas. e não, eu curso comunicação social, que é bem mais amplo. jornalismo tá dentro do guarda-chuva de comunicação :) ps. desculpa o textão, me empolguei akjskajs
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