é março, novamente, mas chovem borboletas mortas lá fora


Abro a porta e o sol é o mesmo. Caminho no asfalto e a calçada é a mesma. As árvores são as mesmas. O lixo jogado no chão é o mesmo. Os carros poluindo a minha visão são os mesmos. A chuva que molha meu rosto é a mesma. E a Oração de Ave-Maria que toca religiosamente às seis da tarde no aparelho de rádio do meu pai, é a mesma.

Lembro como se fosse ontem, estar ausente. Não havia ventos e nuvens que me trouxessem para o presente. Não havia bom dia, nem pessoas que me olhassem. Não havia pássaros que cantassem. Havia uma cinzenta fumaça e um emaranhado de linhas tortas que me cobriam. Haviam pedras nos meus ombros, que me curvavam. Haviam vazios que fingiam me preencher. Havia uma mente inquieta que me levava á frente de automóveis em alta velocidade.

Mas eu já não sou mais a mesma. Minha respiração está mais presente do que nunca. Os sentimentos estão mais presentes do que nunca. O silêncio ao meu redor se foi. Os olhos das pessoas me veem, pois as permito que me olhem. Me preencho de vozes que não são as minhas. As ouço, as percebo. Sinto que meu lugar é finalmente aqui, o meu tempo finalmente é esse.

É março, novamente. E o mundo não é mais o mesmo que era em outro março. Lembro como se fosse ontem. Haviam borboletas que voavam sobre as flores dos campos, mas agora estão todas mortas. Chovem borboletas mortas, lá fora. E elas caem no chão, insignificantes. Alguém deveria cuidar para que não mais morram. Estão acabando com tudo. Todos os dias há milhares de borboletas mortas. E eles não se importam. 

Escrever é tudo que posso fazer por elas. Noto o silêncio de minha voz. Abro a boca, mas não há som algum. Minhas mãos tremem, porque sei que querem reagir. Então, escrevo. Escrevo até não ter mais nada a dizer. Porque é assim que me derramo. Em palavras. Uma atrás da outra, elas surgem. Nem sempre fazem sentido, nem sempre são bonitas. Mas são minhas. As agarro, pois me sustentam.  

Quero matar todos os responsáveis. Quero que vejam todo o sofrimento que causaram. Que engulam toda a dor sentida pelos que se importavam. Como podem ser tão cruéis? Como podem virar as costas diante de tantas mortes? Assassinos. Digo em voz alta. Genocidas. Podem me ouvir? Suas mãos estão manchadas de vermelho sangue. 

Percebo que estou chorando, pois é o que me resta. Não há mais palavras, apenas lágrimas. 

E o mundo não é mais o mesmo. E o tempo não é mais o mesmo. E eu não sou mais a mesma. 

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4 comentários:

arantxa disse...

eu resolvi ler seus textos e eu num guento como todos me fazem querer ser sua amiga, das partes bonitas-e-felizes às bonitas-e-tristes. como é que pode?

nicole e. martins disse...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

arantxa disse...

(voltando aqui pra dizer que fico rindo muito desse comentário. essa é a minha exata reação toda vez que você me responde ou comenta em alguma coisa minha)

nicole e. martins disse...

AKJSAKJSJSKAJS que ódio
(fico assim tbm)