Rosa, a vendedora de água mais famosa de Caruaru

- Oi, moça, quer uma água? Uma pipoquinha? Um cafézinho?

- Quero não, brigada.

- Só uma água, moça. Tá geladinha! Pra me ajudar. 

- Tá certo, me dê uma água, então.

- Na hora! 

arte por lizoni

Estava sentada na calçada do Grande Hotel, esperando uma amiga. O sol castigava o asfalto e as pessoas andavam apressadas pra lá e pra cá. A mulher baixinha usando um colete marrom, o qual sinaliza que ela trabalha para "O Comércio na Praça", carregava um carrinho metálico de rodinhas amarrado a uma caixa térmica de isopor. Uma garrafa de água suando surgiu na minha frente.

- Olhe, você merece alguém que lhe dê muito amor.

Fiquei atenta ao "alguém". 

- Todo mundo merece amor!

- Mas você tem um coração bom, é uma pessoa boa. Abençoada.

Ela me disse que as pessoas eram más com ela. Que era comum a tratarem com hostilidade.  

- Teve uma mulher ali, hoje de manhã, que eu nem falei com ela e ela já falou: "Sai daqui! Não quero nada não!"

- Sério??

- É. Outro dia, cheguei perto de uma mulher pra oferecer água. Ela segurou a bolsa e apertou o passo. Achou que eu ia roubar ela.

Rosa deu graças a Deus por nunca ter roubado. Contou que falta comida todo dia na casa dela, mas não rouba. Não tem coragem. 

- Olha meus pés, como tão inchados! 

Estavam muito. Ela usava chinelos. Tinham as solas bem desgastadas. Disse que vinha andando pela Avenida a pé, pois não podia ficar parada nos lugares, que era uma vendedora ambulante. 

- Qual seu nome?

- Rosa!

- Lembro de você no ponto de ônibus na frente da prefeitura, você ficava lá? 

- Ficava, mas me tiraram de lá.  

- Por que?

- Foi a prefeitura, mulé. Sou do Comércio na Praça, agora.

O Comércio na Praça é um projeto da prefeitura de "revitalização" do centro da cidade. O objetivo é "liberar" as ruas e calçadas da área. Todos os ambulantes foram realocados para pontos estrategicamente escondidos no centro. E vendedores como Rosa, que sobrevivem de clientela, precisam transitar pelas ruas. O problema é quando o próprio ato da venda não pode ser feito de forma livre, afinal, ela não pode ficar parada num lugar só. Esse projeto funciona desde 2019.

Pra quem não conhece, Caruaru é uma cidade no interior de Pernambuco, que é conhecida por ser "A Capital do Forró". Assim como toda cidade pequena que gosta de ser famosa por alguma coisa, a onde moro não poderia ser diferente. E erradas não tão. 

Rosa contou que já lhe deram o nome de A Vendedora de Água mais Famosa de Caruaru.

- Ai, fico até emocionada quando lembro! 

- Achei muito chique!

- Mas é assim, que se consegue cliente! Conversando com todo mundo. Lá no Comércio da Praça não tem movimento, ninguém vai lá comprar, não! 

Enquanto conversávamos dois guardas municipais passaram olhando. Rosa segurou o carrinho e olhou para baixo.

- Preciso ir, moça. 

- Peraí! Quanto é uma pipoca dessa?

- 75 centavos.

- Me dê uma!

Eu só tinha 60 centavos.

- Eu faço 60, pra você! Não tem problema.

- Poxa, muito obrigada, Rosa.

- Se você só tem 60, o que eu posso fazer? Tchau, viu? Muito obrigada! Deus abençoe.

Pensei que quando a encontrasse de novo pagaria o restante. Também pensei que Rosa me vendeu mais barato, porque precisava do dinheiro. Pensei sobre ficar desestabilizada com o pensamento anterior e desisti de dizer que queria a pipoca amarela, pois não gostava da vermelha. Uma é salgada e a outra é doce. 

No final da tarde, quando eu e uma amiga esperávamos o ônibus no ponto do final da Avenida. Rosa surge de cabeça baixa arrastando seu carrinho. Toco no seu ombro e ela dá um sorriso triste ao me ver. Disse que tiraram foto dela e mandaram para os guardas municipais, avisando que ela estava parada fazendo vendas. Há alguns minutos tínhamos passado por ela, ela estava apenas conversando com quem estava sentado na escadaria de um prédio ali perto. 

Rosa ia atravessando a rua quando parou e disse alto para nós: 

- "Não dá nem pra arrumar o dinheiro do pão."

Me pergunto o que Rosa pensaria se soubesse que eu escrevi sobre ela. Não vejo a hora de encontra-la de novo.