pensamentos de varanda

by Matteo Pericoli

numa manhã de feriado, um passarinho entrou pela porta da varanda e pousou na ponta do sofá da sala. o presságio de um ser em desespero pra encontrar uma saída daquele mundo estranho, o qual estaria a desbravar, me motivou a espantar o coitado no segundo seguinte à sua chegada. sou uma ótima anfitriã, como podem imaginar.

aquele passarinho me fez pensar um bocado e me deixou levemente nervosa. não que as coisas começaram a desandar depois desse mal encontro, mas percebo que o fato dele ter brotado na minha rotina tão inesperado (justo como a vida é), me fez recordar de incontáveis vezes que algo assim simplesmente me destruiu.  

se me lembrasse a cada segundo que a vida é tão mais do que consigo enxergar, ou entendesse como o tempo consegue parar sem deixar sobras depois do fim, talvez, e só talvez, a minha percepção sobre as coisas fossem diferentes. talvez se eu trocasse de olhos, de coração, de cérebro e de... não, espera. talvez um par de pernas velozes, fosse o ideal, mas ainda assim...não, espera. não é de tempo que eu preciso, não é de horas a mais, mas também não é falta de pares perfeitos ou singulares mentes funcionais. 

então, o que é? o que pode ser o tempo em meio a tanto correr e continuar se atrasando? o que pode ser o que o tempo tenta me proporcionar e eu recuso com tanta violência?

ansiedade deixa tudo mais intenso, urgente, catastrófico e mesmo com ela ou não presente, como seria ter o controle do tempo, o botão que desliga as luzes, a cordinha que fecha a cortina no momento o qual não se quer viver no agora? 

apesar de ter sido numa bela manhã de feriado quando aquele passarinho decidiu, ou ao acaso, entrar pela porta, poderia não ter sido tão belo assim. poderia ter me pego ainda mais desprevenida num dia de semana comum em que tenho tarefas a fazer, poderia como num passe de mágica, ter estragado tudo. é engraçado o quão trágico pensamentos podem ser?

vivo intranquilidade. afinal, como poderia, um ser humano como eu, entender que ter o tempo é impossível? o tempo é ele e ele é dele, mas eu me perco pra não perdê-lo. nunca o tive, nunca o terei. acompanho seus passos, tento seguir seus rastros e me confundo, achando fácil, mas a vida acontece, o tempo passa e eu fico. fico, apesar do tempo querer me levar.

tenho convicção que o tempo mandou lembranças ao enviar o pássaro á minha varanda, mas ele bem que podia muito bem ter vindo ao meu encontro dentro daquele pequeno ser, pois mesmo que eu quisesse ainda não o teria em minhas mãos. espantaria como qualquer outra oportunidade.

ás vezes, fecho os olhos e me deixo ir pra ver até onde, quando e o quanto viveria. o tempo seria meu e eu seria dele, ao mesmo tempo, numa permuta justa. provavelmente, não, mas é legal imaginar que se poderia, mesmo que de forma ilusória, estar no controle. ⭐

5 comentários:

Snow ★ disse...

Em um comentário não tão aleatório assim, você mencionando espantar o pássaro me lembra dos gatos que aparecem em casa vez ou outra e eu tenho que espantá-los para que não aconteça uma sinfonia horrível de miados guturais graças ao gato que já mora em casa. Porém, pensando sobre tempo e controle eu tento aumentar a quantidade de vezes onde eu diminuo o meu próprio fluxo de pensamentos pois tem momentos onde eu mesma paro e olho para o tanto de quinquilharia que consegui mentalizar em questão de minutos e este texto seu me ajudou a me lembrar disso, assim como refletir sobre outros pontos.

Mas vamos salientar aqui, um bom texto, o.k.?
'té Nicole :)

Citrine disse...

>o tempo é ele e ele é dele, mas eu me perco pra não perdê-lo. nunca o tive, nunca o terei. acompanho seus passos, tento seguir seus rastros e me confundo, achando fácil, mas a vida acontece, o tempo passa e eu fico. fico, apesar do tempo querer me levar.

isso foi um soco no estômago. i'm in pain.

que texto lindo, sutil e pesado ao mesmo tempo, por mais que não faça sentido.

espero que, mesmo sem tempo, você não esqueça de respirar, tá bem?

beijinhos.
https://mashalkhim.com/

Fernanda Pires disse...

As vezes as resposta estão mais na nossa cara do que imaginamos, como um passarinho bem na nossa frente, a gente vai e espanta, mas ele vai pra todos os cantos menos pra saída. As vezes, sem a gente nem se dar conta, é muito mais fácil viver nessa confusão, nessa louca procura, do que de fato aceitar que já achamos. Por que e depois?
Eu fiquei bem reflexiva lendo o seu texto Nicole, é o tipo de coisa que se escreve pra gente mesma e todos os outros que leem se enxergam naquelas palavras através do filtro da sua própria vivência. Foi assim que me senti.
Espero que encontre o que procura, sempre lembrando de você já tem tudo o que precisa agora, e de permanecer leve. Como você disse, a ansiedade torna tudo mais intenso. Mas você não é a sua ansiedade, tenta se lembrar disso.
Beijos!!

arantxa disse...

pássaros entrando em casa são figurinha comum aqui — rolinhas entram pra roubar a comida da calopsita, às vezes um pardal também aparece, bem-te-vis e sanhaços abusados entram pra comer a banana direto da fruteira (!!) e às vezes não conseguem sair, e um ou outro beija-flor às vezes se perde e fica preso aqui dentro no crepúsculo. é engraçado como a fuga da rotina de um pode ser a rotina de outro... mnas ah, o tempo. o maior amigo (e o maior inimigo) da pessoa ansiosa.

eu sempre preciso ser lembrada pela minha psicóloga de que não tenho controle nenhum sobre o que acontece ou deixa de acontecer no grande esquema das coisas, mas é difícil. qualquer fuga do planejamento já dispara o coração e me faz pensar no que mais vai dar errado, e nem sempre é assim... mas como é que algumas pessoas conseguem lidar com mudanças abruptas? um mistério. enquanto isso, a gente tenta aproveitar pequenos momentos repentinos que são rápidos feito um susto — tipo um passarinho entrando na sala e indo embora logo em seguida.

acho que nem todo desplanejamento é ruim, no fim das contas.

beijo, nic <3

Camila Faria disse...

Sobre o tempo, adoro essa frase do Mário Quintana (que lembrei lendo o seu post): “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.”

O tempo é mesmo algo implacável, impossível de dominar. Mas a gente segue tentando (quanta ousadia!).

:)

Não Me Mande Flores