uma carta enviada

li em algum lugar que "coisas que não levam a nada são importantes", me pergunto o que importaria você saber disso agora. provavelmente nada. talvez eu esteja tornando mais difícil do que realmente deveria ser, mas o que eu tenho a perder? das coisas que eu nunca te disse, essas são as que mais me perturbam. 
todos os teus pedaços já chamaram pelo meu nome. sem você saber. desde que te conheci naquele ponto de ônibus, os teus olhos foram os primeiros. tão atentos, sinceros. se tornou meu passatempo favorito, isso de, te olhar os olhos. sou tão apaixonada por eles que chega a doer. espero nunca esquecer de suas cores tão expressivas, tão vivas. quando me olha ou quando não me olha, não importa. não importa mais.

gosto de como tuas mãos repousam sobre as pernas. graciosas. elas não parecem, só são. gosto de olhar pra elas. ao toque, mornas como pequenos mantos. sei disso como o sol sabe nascer todas as manhãs. quando elas seguram qualquer uma das minhas, não repara, mal nota que, quando o faz, assino de bom grado um contrato silencioso de ir a qualquer lugar com você. não me leve a mal, mas elas foram as verdadeiras culpadas.

quando me abraça sinto que existe esse negócio de paz. o barulho dissipa. o teu cheiro invade todos os meus sentidos e é como estar em um lugar distante. numa outra época. como um espaço que deveria ser aberto ao público nos feriados ensolarados, o teu abraço é um lugar de onde não se deva adiar visita, sabe? entendo bem de locais seguros, estar com você é altamente recomendado. não só pra mim. a culpa é desse teu abraço, desse lugar seguro.

gosto do teu pescoço. isso eu já te disse. lembro bem da primeira vez que eu reparei. você me falava sobre sua série favorita, enquanto sorria. em um breve virar de rosto, o vejo. aquela curvatura expunha sua matéria de constelações, e é uma certeza, estrelas dançaram e escorregaram por ali naquele dia. às vezes o reparo e espero que elas dancem novamente. passei em frente àquela lanchonete e ela já não existe mais. como se a lembrança não fosse real, como se nunca houvesse acontecido. acho que a culpa envolve as estrelas e as lembranças.

ou melhor, a culpa não é de nenhum dos teus pedaços, nenhum dos teus afetos. acho que não existe isso de culpa. não quando os olhos ardem enquanto escrevo, nem quando o peito dói por te ver. não posso te culpar.




"Não tem um processo curativo
Que não vá doer
Que não vá coçar, sabe?
Que não vá, cê vai sentir..."


ás vezes sinto inveja do mundo por ele te ter. também sei que ele precisa de alguém como você. de mais amizade como você. de mais sinceridade como você. de mais atenção como você. de mais cuidado como você. você consegue ser todas essas coisas, nem percebe e tudo bem, eu vi. eu vejo você.

você faz o meu melhor surgir quando nem eu sabia que ele existia. quando tudo parece complicado, você faz as coisas parecerem tão mais fáceis. quando você tá perto qualquer momento é bom e inesquecível. as memórias com você sempre ficam marcadas. em perfume, cor, calor, sentimento. gosto de mim quando tô com você. gosto de como a gente é junto. gosto de como antes de tudo você é meu amigo.

apesar de tá quieta no meu canto, você surge e a matéria toda é contagiada. todos os meus átomos te perseguem, ou ao menos é o que eles queriam que acontecesse. evito que eles exagerem, pois agora não importa mais. os seguro com os braços vacilantes, não consigo, eles te adoram. eles te querem. acho que a fuga é mais do que necessária, mas é tão difícil me desfazer de você.

sinceramente, pra onde eu iria? estar contigo sempre foi uma das minhas poucas certezas diárias. tenho que desaprender tantos saberes, mover tantas montanhas. acalmar o meu coração. não quero estragar tudo. espero que essa carta não acabe com o resto que nos sobra. você foi muito forte antes e não sei se consigo ser como você foi, mas espero ser. quero aguentar por você, pela gente. tudo isso vai valer a pena se o resultado for continuar ao teu lado. eu realmente espero que o que construímos juntos sobreviva.

penso que a vida foi cruel e solidária ao juntar nossos caminhos. cruel pois, ela ciente que seríamos inseparáveis, não avisou que cada coração, em ocasiões diferentes, bateria descompassado pelo outro. que sofreríamos as consequências de uma longa amizade, que apesar dos pesares ainda sobrevive. e solidária porque algum escrito sagrado bobo desenhou esse destino e sabia que essa dupla precisava acontecer. talvez ela não soubesse que seria desse jeito. a vida acontece. a gente mal acompanha, mas ela acontece.

acho que um te amo não cabe mais em lugar nenhum dos meus parágrafos, todas as linhas carregam o mesmo sentimento, a mesma droga. entrei na reabilitação recentemente, lá eles dizem que parece impossível largar, mas é completamente possível. me agarro aos conselhos, às esperanças, às músicas que você me deixou. um lento processo de desapego.

vai passar.

a paciência sendo chave pra tornar as coisas duradouras, também ampara, dá suporte.

às vezes não tenho noção do tamanho das coisas que sinto. preciso escrever, preciso materializá-las pra ter conhecimento de suas consistências. sobre o que você me disse, sobre o que as músicas significavam, sobre o que aconteceu no impulso de desejo e curiosidade, sobre as linhas tortas sob as quais eu e você sempre andamos.

não quero alimentar nada. não quero culpar ninguém. não quero doer. erro, pisco duas, três vezes e meu coração faz essas coisas sozinho. involuntário. de graça. qual o limite em que meus pés podem chegar antes de te atravessar novamente? como um fantasma inconveniente vagando pela sua sombra, há muito tempo tento não cruzar essa linha. agora que me deixei fazer, não importa mais, preciso me recolher.

o hoje se deve pelas coisas que vieram antes, claro, já fazem anos, mas preciso do passado pra entender quem sou hoje, agora. dói saber que o eu de antes, assim como o seu de agora, se entenderiam. corações machucados, fechados pro mundo. que complicado. um momento em que eu achava que nada disso seria possível, agora, hoje, parece ser. corações unidos por uma linha atemporal não podem construir relacionamentos. sempre estaremos em momentos diferentes com o coração? nunca é muito tempo, mas não vou alimentar nada.

tenho repetido em ecos dentro de mim que isso vai passar. que todas as vezes que eu te encarar não vá doer. é aquele negócio que você disse, que a Tuyo disse, precisa doer pra curar. vai passar, preciso que passe, pois preciso de você.

ir embora não poderia ser uma opção.

4 comentários:

arantxa disse...

“você consegue ser todas essas coisas, nem percebe e tudo bem, eu vi. eu vejo você.”

esse post me atingiu de maneiras que eu nem sei explicar. não sei se a gente está passando pela mesma coisa ao mesmo tempo (ah, a ironia), mas aqui também anda doendo, e pelo tanto que me identifique, sei que anda doendo parecido. força pra nós e pros nossos corações machucados, sigamos acreditando que tudo se cura, eventualmente. porque tem que curar. a gente precisa que cure.

beijos sempre, sempre com ternura. e um abraço apertado, nic. <3

jen disse...

"todos os meus átomos te perseguem, ou ao menos é o que eles queriam que acontecesse. evito que eles exagerem, pois agora não importa mais." Acho que foi aqui que eu senti tudo quebrar um pouco dentro de mim. É engraçado que, por mais diferentes, distantes, desconhecidas que sejamos, em algum momento, nos sentimos da mesma forma. Nos entendemos. Aceitamos, juntas, que precisamos passar pela dor para evoluir e que deixar de sentir não é aceitável.
Espero que realmente passe, nic. Para você e para mim.

jardim silencioso

nicole e. martins disse...

acho que a gente não tava passando pela mesma coisa, mas quando tá doendo tudo parece se conectar, né? força pros nossos corações machucados... o tempo ás vezes sabe fazer curar. acredito nele. beijo, abraço, aperto na mão, todo o carinho do mundo, xis. <3

nicole e. martins disse...

oi jen! acho tão legal quando isso acontece. mesmo que seja algo comum, é tão acolhedor quando se encontra outra pessoa que te entende. deixar de sentir não é mais aceitável pra mim. o mundo repreende que você seja essa pessoa que se permite viver os sentimentos, principalmente os que são considerados "banais", mas é a única coisa que nos torna humanos. dói, mas a gente aprende. o tempo ajuda. espero que esteja tudo bem por aí!