bote fé ou bote fogo

certa vez, acordei sob uma montanha. era quieto, frio e solitário. você não estava lá. me senti em casa, segura e em paz. tudo que é bom dura pouco. ninguém queria que eu tivesse esse tanto de liberdade, esse tanto de solidão, esse pouco de autonomia, principalmente você. eu tinha que descer a montanha e voltar para a casca velha e enrugada. ao meu retorno, me dirigiu aquele olhar de quem já não conhece afetos e eu sabia que não havia sobrado mais nada do que um dia senti por você.

depois de tudo que fez, eu te disse "boa noite", mas desejei em silêncio que não acordasse mais. no dia seguinte, fugi novamente da sua casca velha e enrugada. enxerguei o mundo de cima, segurei nuvens com as mãos, senti os pés mais leves. era bom, bonito e a vida entrava nos meus pulmões. você sempre dava um jeito de me perseguir os pensamentos, de ser inconveniência no meu peito, expelindo qualquer traço de vida, um coração em sobras de angústia. tenho que voltar para a casca, afinal. não consigo me livrar de você. 

chego e você realiza o espetáculo do jeito que bem entende, machucando os seus, os dos outros, deus e o mundo, mais uma vez. até quando vai ser assim? 

fugi outra vez e mergulhei no atlântico. foi um dia desses. boiei, boiei, fui pra bem longe, navegando como um barco e queimando a cara como qualquer ser humano de pele, epiderme. submergi no pacífico. já não conseguia te ouvir, tampouco meus pensamentos, quanto mais perto da praia eu chegava mais barulhento ficava. passei um longo período de indo e vindo, até perceber que havia me tornado uma pequena onda. quebrava infinitas vezes. renascia mais outras infinitas. nem lembrava de você, até que você veio me buscar.

parece uma piada. uma piada que ninguém acha graça, mas talvez você ache. já que gosta dessa bagunça infame dentro dessa casca velha e enrugada, asquerosa. sou uma barata. somos. se eu sou, você também é.

hoje, descobri que posso crepitar como o fogo quando em contato com a madeira. suspeito que eu possa causar tragédias, criar labaredas. talvez eu devesse. incendiada, essa casca velha e enrugada, não me fará mal, tampouco você quando retornar ao pó. evaporando com o vento, sendo polén para flores, adubo para plantações, alimento para peixes, germes. quem sabe assim você volte a entender afetos, ser mais do que promessa. não me apego a ilusões. continuo fugindo no dia seguinte. 

bote fé ou bote fogo, todo dia é dia de queimar. 

10 comentários:

Giovanna dantas disse...

Não sei se já te falei, mas a sua escrita é incrível!

Lucas disse...

bote fé ou bote fogo, todo dia é dia de queimar.

arrebatador

Snow ★ disse...

Hm, esse final me lembrou muito de um trecho da música "In My Bed" da Sabrina Carpenter, e de como eu me sentia naquela música a uns meses atrás. Gostei muito do texto Nicole, sério, parabéns pela produção. Ficou ótima e uma delícia de ser lida, mesmo lidando com palavras nada agradáveis você segue servindo o que faz de melhor: textos que me fazem refletir um bocado.

Um abraço forte e até outra hora!
Aliás, o visual do blogue tá muito bonito!

victor disse...

"sou uma barata. somos. se eu sou, você também é."

eu gostei muito desse escrito, sua escrita é muito gostosa de ler e me remete alguns momentos não tão bons da minha vida, mas de uma forma também interessante. faz sentir como se as coisas ruins também fossem arte.

(CARA O SEU BLOG TA CHOVENDO

Nat disse...

Olá!

O texto é realmente bem intenso e você se expressa muito bem. Fiquei um pouco "nostálgica" sobre alguns sentimentos que vivi. Ler esse texto me fez sentir um leve medo (?) De qualquer forma me fez pensar bastante.
Achei seu blog e o nome muito fofos. Vou tentar voltar outras vezes.

Beijos e até mais!

nicole e. martins disse...

fico feliz que goste, gio :') muito obrigada mesmo aaaaa

nicole e. martins disse...

:'''') muito obrigada, lucas aaaaa

nicole e. martins disse...

olá, Snow! :) não conhecia a música, mas dei uma olhada e a letra é bem melancólica, né? bem a minha cara haha. fico feliz que tenha gostado aaaaa. sempre uma honra ser elogiada por você!! outro abraço em e até logo! q(≧▽≦q)

nicole e. martins disse...

oi viccc, fico feliz que tenha gostado, apesar do escrito não ser tão feliz assim askjhaksj :') é um dilema, acho que sempre dá pra gente se expressar nesses momentos ruins, usar deles para algo mais, APESAR de eu sempre pensar sobre isso, as pessoas gostam do que escrevo quando falo de coisa triste e isso me deixa meio: será que não sei me expressar quando estou bem???

NO MEU BLOG TÁ CHOVENDO, SÍ!!! um xero em tu q (≧▽≦q)

nicole e. martins disse...

oie, nat! ás vezes, consigo me expressar... fiquei feliz de ter causado esse estranhamento em você ahaha (sobre o medo e tal). espero que eu não tenha te dado nenhum gatilho ou algo assim aaaaa. que bom que gostou daqui, espero que volte :') um xero em tu, até qualquer hora!!