retalhos de janeiro


sonhei de pés no chão. um sonho claustrofóbico e desconfortável. de caminho hipnótico, alucinante. despertando e apagando pra continuar. aqui dentro ou aí fora, não faz diferença, todos os lugares remetem a um baú fechado, ela me diz. acredito nela. bebi um chá de camomila com leite, de manhã. conheci minha primeira autora argentina, lendo seu morra, amor. por uma noite, pertenci à mente daquela mulher sem nome. agora, ariana harwicz é alguém que preciso observar os passos. 

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hoje criei um diário. já vai dar meia noite. sinto o cheiro de pipoca. não é em casa, já que é sexta e a manhã do sábado costuma começar cedo. a luminária do quarto onde durmo chama a atenção de minha mãe que bate á porta e pede que eu vá dormir. uma ordem dissimulada. já vou, já vou. não é exatamente nesses momentos que sinto vontade de ter minha própria lâmpada, meu próprio ponteiro de relógio, minhas próprias paredes. o spotify com aquele defeito irritante, o qual não sei resolver, toca o que não quero ouvir, veio woldstar money, do Joji. traz lembranças de conversas que tive com pessoas aleatórias na internet. duvido que a existência delas tenha sido concreta. nunca saberei quem foram, quem serão. não haviam nomes verdadeiros ou fotografias reais. as músicas eram. e as dezenas de pessoas - consigo imaginar dezenas delas - quem eram? lembro pouco, ou não lembro o suficiente. uma lisa simpson mandando fotos sugestivas em troca de recomendações, um garoto que ouvia arctic monkeys comigo, outro que só ouvia "trap" e eu não entendia nada daqueles sentimentos todos. lembranças que foram criadas? minha caneta vez em quando falha tal qual minha memória. boa noite.

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na hora do almoço, fui ao centro comprar umas coisas e voltei com outras coisas. vi as tintas e decidi: vou pintar a parede. do nada. não tinha laranja, peguei a guache amarela. não queria gastar um milhão de golpes com tinta especial para paredes e ainda assim, queria que o quarto tivesse alguma alma. não exatamente. as paredes são perfeitamente brancas e isso me incomoda, não me inspiram. quer dizer, pintei as paredes no natal, estavam sujas, e permaneceram vazias desde agosto. depois de seis meses, á frente das tintas dentro da loja, tive a lembrança das paredes do quarto que não expunham nada que viesse de mim. é óbvio, eu havia arrancado e rasgado tudo que jazia pregado. foi um momento dramático. era só o quarto no qual dormia. quem habitava o quê? comprei a tinta. fui de encontro às paredes do quarto e mudei de ideia. melhor não, queria que fosse laranja. voltei a colar novos papéis riscados. fotos de uma vovó lembrança. corações de aquarela, olhos de preta tinta, sentimentos se insinuando corajosos. as coisas andam parecendo voltar a fazer sentido de uma forma muito inédita. a mudança sou eu e as paredes testemunhas. penso em voltar atrás de um vermelho e fazer eu mesma um laranja forte.

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sou teimosa e penso que posso tudo. costura é uma tarefa a qual se dedica paciência e atenção, não serve pra mim. acho bonito o trabalho do bordado, justo o que eu queria aprender, mas sempre que me concentro na linha entrando e saindo, tenho dores de cabeça. basta uma hora no máximo e já sinto a dor chegar. poderia me esforçar mais, porém não sinto vontade. não me contemplo espiritualmente com tarefas que não posso, ou não consigo, fazer por horas a fio. à costura só me resta os remendos. 

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abri os olhos e lembrei que tinha assistido a retrato de uma jovem em chamas, na noite passada. foi assim que comecei o dia ás 5 da manhã. o coração deu uma leve palpitada. pensei que fosse a ansiedade, mas eram os olhares das personagens impressos nas minhas retinas. um filme de silêncios barulhentos. "não se arrependa. lembre." foi o que aconteceu. 

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percebi a pouco tempo que tendo a ter uma ligação mais profunda pelas coisas quando procuro conhecer melhor quem as faz. pensei muito enquanto lia a gorda, de Isabela Figueiredo. gosto de como ela reflete sobre as coisas, mesmo que em vezes não concorde. me choco com sua sinceridade. a liberdade parece não fugir aos seus dedos e me pergunto se certas partes demandaram real coragem para serem escritas. é um livro sobre a vida, mas principalmente sobre solidão. sinceridades desconcertantes que me acalentaram por terem sido partilhadas em voz alta, ou melhor, em palavra escrita. 

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ultimamente tenho percebido lembranças e fragmentos, os quais não registrei seus significados. a escrita diária me faz recordar. nunca me dei ao luxo de ser apegada ao passado. as coisas mudam.

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ontem, vi um storie de Isabor Quintiere falando sobre um outro livro de contos que ela mandou pra editora. fiquei tão animada que enviei uma mensagem. nunca falo com pessoas que admiro, por causa da vergonha ou aquela fobia social inconveniente. às 5h30 da manhã, de hoje, me responde que "qualquer autor fica feliz" com uma mensagem assim. também tinha dito que gostei muito do que ela fez em a cor humana e que leria um romance dela. desde 2016 tenta fazer nascer um, mas ainda não parece pronto, disse. fiquei pensando se fui insistente e com cobranças apressadas. perdão, perdão. obrigada mais uma vez. espero que o livro enviado para a editora dê certo, emoji de flor rosa. de repente, estou exausta. não sou de ver stories, ainda menos às seis da manhã. agora parece que sou essa pessoa e me sinto esgotada de vida, com um cansaço de milênios. da água pro vinho. 

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li que Jaquinho mencionou a Gigi no último trabalho que ele compartilhou e eu fiquei muito encantada com esse trabalho dela. quando fala sobre os sonhos como quase um exercício de perda, lembrei, de novo, que as coisas sempre podem ter um olhar novo e diferente. quando ela coloca essa frase de outra pessoa no início e que se encaixa tão bem enquanto fala sobre outras coisas... penso que eu poderia ter resumido esse mês em uma outra imagem. em um único sentimento. injusta seria eu com todos os outros que se precipitam sobre mim. injusta seria eu.

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todos os dias as coisas se repetem, mas ao olhar o mundo pela janela do quarto, nada é igual. 

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é necessário que eu: sinta sempre desconforto e frio na barriga antes de apertar o botão que torna estes textos visíveis. lembrar que não faço para agradar ninguém. considere que nunca serei boa o bastante. saiba reconhecer beleza quando o faço. 

2 comentários:

GABES disse...

praticamente intrusa lendo essas coisas tão anotação de diário! minha relação com as agulhas e praticamente a mesma, até tento um pouco mas não é algo que dê para se concentrar demaaais. são coisas tão pequeninas que me agoniam. essas coisas de acordar cedo e ficar tarde e estar perdida no tempo, fazer coisas de impulso e parar no mesmo impulso de fazer as coisas no impulso. adoro ler teus pensamentos nic! por mais bobo que pareça fico com coragem para escrever os meus seja onde for. espero que esteja bem. estou com saudade de sentir frio na barriga e gritar coisas.

nicole e. martins disse...

a maioria das coisas eu tirei do diário mesmo aksoasksaop e siim, as agulhas são tão aaaaa. os impulsos tão cada vez mais presentes ultimamente e sendo sincera, muito melhor assim. que coisa legal de se ler <3 não é nada bobo, fico muito feliz mesmo em saber disso!! você me inspira demais e espero que venha gritar coisas o mais rápido possível!!!!!